Tenho notado que estudar é uma ação que vem perdendo a força. O verbo “estudar” está quase que se reduzindo a uma interjeição do tipo ‘ai’ ou ‘ui’. Estudar é, modernamente, coisa pequena, quase um brinco, um anelzinho de plástico ou um piercing e não mais um vestido longo para uma noite de gala. “Estudar”, realmente, é palavra fora de moda e passa longe de qualquer fashion week que se realize em solo nacional.
Essa tentativa frustrada de “estudar junto” com amigos que não estudam é algo que não funciona nem mesmo entre irmãos gêmeos. Estudar é, sim, um ato solitário, isolado, individual, pessoal, confidencial, íntimo. Por esse mesmo motivo, creio, não estudamos na sala de aula. A sala de aula conjuga os verbos “ensinar” e “entender”. Estudar é um ato que nos leva a nosso interior e não é possível fazê-lo bem no meio de um show de rock alternativo. Aliás, se lá no meio de um show de rock alternativo nem sabemos quem somos, como é que vamos entrar em contato conosco mesmos e estudar algo?
Aí uma diferenciação básica me vem à mente: ler é diferente de estudar; estudar é diferente de pesquisar. Quem lê tem a impressão equivocada de que está estudando. Quem estuda tem a impressão equivocada de que está pesquisando. Nossos alunos não vêm fazendo nenhum dos três: nem realizam leitura, nem fazem estudo, nem desenvolvem pesquisa. Será mesmo que queremos regressar ao australopitecus brasiliensis?
Com toda essa tecnologia avançada que é o computador, a internet, a televisão, o telefone, nossos alunos tem uma impressão equivocada de que não estão sós, quando, de fato, estão. E é comum aquela conversa desesperadora (ao menos para a mãe) com a filha adolescente: “Filha, quem é Verônica, esta menina que está na sua lista de amigos virtuais?”. A filha põe o dedo no queixo, olha para cima e responde: “Verônica? Ah, não sei. Eu não conheço”. Assim, nossos alunos desperdiçam tempo com quem eles não conhecem. Não conhecem realmente, apenas virtualmente. Não era com um aperto de mão que se começava uma amizade positiva?
Mas, de qualquer forma, de qualquer maneira, nossos alunos temem, então, ficarem sós, sentirem-se sós. E jamais estando sós, jamais estudarão. O estudo, repito, acontece na solidão.
Ler, estudar, pesquisar. Por incrível que possa parecer, só quem faz bem os três – ler, estudar e pesquisar - é que tem dificuldade de saber o que está fazendo. Estes processos se confundem apenas para quem faz todos os três porque eles se misturam. Imagine alguém disposto a estudar e que descobre, do dia para a noite, que a internet existe. Posso imaginar o coração batendo mais alto, os olhos abertos de forma que quase saltam da face, as mãos trêmulas tentando compreender como é que se digita e o que deve ser digitado. A primeira vez que um aluno que deseja estudar conjuga o verbo ‘digitar’. Vejo aí um aluno feliz. Talvez um pouco confuso, no início, por força da adaptação à nova ferramenta, neste caso, de estudo. E, depois, ainda mais confuso por perceber que essa tal internet tem mais informações do que qualquer boa fofoqueira do mundo.
Essa história de final triste que é o “trabalho em grupo” serve para socializar, para ensinar nossos alunos que as tarefas são estranhamente distribuídas no mundo, que enquanto uns transpiram ofegantes de tanto trabalhar, outros cansam de tanto ver os outros trabalhando. Realizar “trabalho em grupo” não é sinônimo de estudar. É sinônimo de socializar, estimular o aparecimento de lideranças, treinar a capacidade de planejamento de nossos alunos. Mas dizer que “trabalho em grupo” é sinônimo irretocável de “estudar” é ficar com a parte mais fácil do trabalho.
Estudar é um ato solitário. Estudar é uma ação que ocorre na caverna obscura da nossa inteligência; caverna esta que só nós conhecemos. Estudar é algo tão individual quanto escovar os dentes. Ninguém pode fazer por nós. Pelo menos não com a mesma destreza. Conhecemos a forma como aprendemos. Nós e apenas nós. Em sua caminhada, você acabará encontrando um professor que sabe como você aprende. Um professor que entende a forma como você aprende. São pessoas especiais. São mestres. Mestres que percebem como você lê o mundo e por isso mesmo conseguem explicar melhor para você, do jeitinho que você melhor compreende. Mestres são flexíveis com relação a seus alunos. Mas nada disso dispensa o ato de estudar, refletir sobre o que foi supostamente aprendido na sala de aula.
E que dizer da oportunidade frequente que temos de nos estudar? Estudar a nós mesmos. Colocarmos tudo isso bem na nossa frente: nossos gostos, nossas preferências, nossos princípios, nossas vontades, nossos cheiros, desejos, conquistas, sonhos, amigos, lembranças, memórias, gestos, nossas palavras preferidas, nossos filmes favoritos, nossas músicas inesquecíveis, nós e apenas nós. Tudo isso conta muito sobre quem somos. Ao estudarmos nossas preferências, estaremos estudando a nós mesmos, escutando a fala interior (que não é a de Vygotsky, mas é a nossa mesmo). Lendo nossas preferências, estudando silenciosamente nosso ser, estaremos pesquisando uma nova maneira de sermos melhores.
Artigo publicado na revista Profissão Mestre de agosto de 2009.
É economista e professor e autor do livro Mais Textos: uma visão sobre a Educação
Essa tentativa frustrada de “estudar junto” com amigos que não estudam é algo que não funciona nem mesmo entre irmãos gêmeos. Estudar é, sim, um ato solitário, isolado, individual, pessoal, confidencial, íntimo. Por esse mesmo motivo, creio, não estudamos na sala de aula. A sala de aula conjuga os verbos “ensinar” e “entender”. Estudar é um ato que nos leva a nosso interior e não é possível fazê-lo bem no meio de um show de rock alternativo. Aliás, se lá no meio de um show de rock alternativo nem sabemos quem somos, como é que vamos entrar em contato conosco mesmos e estudar algo?
Aí uma diferenciação básica me vem à mente: ler é diferente de estudar; estudar é diferente de pesquisar. Quem lê tem a impressão equivocada de que está estudando. Quem estuda tem a impressão equivocada de que está pesquisando. Nossos alunos não vêm fazendo nenhum dos três: nem realizam leitura, nem fazem estudo, nem desenvolvem pesquisa. Será mesmo que queremos regressar ao australopitecus brasiliensis?
Com toda essa tecnologia avançada que é o computador, a internet, a televisão, o telefone, nossos alunos tem uma impressão equivocada de que não estão sós, quando, de fato, estão. E é comum aquela conversa desesperadora (ao menos para a mãe) com a filha adolescente: “Filha, quem é Verônica, esta menina que está na sua lista de amigos virtuais?”. A filha põe o dedo no queixo, olha para cima e responde: “Verônica? Ah, não sei. Eu não conheço”. Assim, nossos alunos desperdiçam tempo com quem eles não conhecem. Não conhecem realmente, apenas virtualmente. Não era com um aperto de mão que se começava uma amizade positiva?
Mas, de qualquer forma, de qualquer maneira, nossos alunos temem, então, ficarem sós, sentirem-se sós. E jamais estando sós, jamais estudarão. O estudo, repito, acontece na solidão.
Ler, estudar, pesquisar. Por incrível que possa parecer, só quem faz bem os três – ler, estudar e pesquisar - é que tem dificuldade de saber o que está fazendo. Estes processos se confundem apenas para quem faz todos os três porque eles se misturam. Imagine alguém disposto a estudar e que descobre, do dia para a noite, que a internet existe. Posso imaginar o coração batendo mais alto, os olhos abertos de forma que quase saltam da face, as mãos trêmulas tentando compreender como é que se digita e o que deve ser digitado. A primeira vez que um aluno que deseja estudar conjuga o verbo ‘digitar’. Vejo aí um aluno feliz. Talvez um pouco confuso, no início, por força da adaptação à nova ferramenta, neste caso, de estudo. E, depois, ainda mais confuso por perceber que essa tal internet tem mais informações do que qualquer boa fofoqueira do mundo.
Essa história de final triste que é o “trabalho em grupo” serve para socializar, para ensinar nossos alunos que as tarefas são estranhamente distribuídas no mundo, que enquanto uns transpiram ofegantes de tanto trabalhar, outros cansam de tanto ver os outros trabalhando. Realizar “trabalho em grupo” não é sinônimo de estudar. É sinônimo de socializar, estimular o aparecimento de lideranças, treinar a capacidade de planejamento de nossos alunos. Mas dizer que “trabalho em grupo” é sinônimo irretocável de “estudar” é ficar com a parte mais fácil do trabalho.
Estudar é um ato solitário. Estudar é uma ação que ocorre na caverna obscura da nossa inteligência; caverna esta que só nós conhecemos. Estudar é algo tão individual quanto escovar os dentes. Ninguém pode fazer por nós. Pelo menos não com a mesma destreza. Conhecemos a forma como aprendemos. Nós e apenas nós. Em sua caminhada, você acabará encontrando um professor que sabe como você aprende. Um professor que entende a forma como você aprende. São pessoas especiais. São mestres. Mestres que percebem como você lê o mundo e por isso mesmo conseguem explicar melhor para você, do jeitinho que você melhor compreende. Mestres são flexíveis com relação a seus alunos. Mas nada disso dispensa o ato de estudar, refletir sobre o que foi supostamente aprendido na sala de aula.
E que dizer da oportunidade frequente que temos de nos estudar? Estudar a nós mesmos. Colocarmos tudo isso bem na nossa frente: nossos gostos, nossas preferências, nossos princípios, nossas vontades, nossos cheiros, desejos, conquistas, sonhos, amigos, lembranças, memórias, gestos, nossas palavras preferidas, nossos filmes favoritos, nossas músicas inesquecíveis, nós e apenas nós. Tudo isso conta muito sobre quem somos. Ao estudarmos nossas preferências, estaremos estudando a nós mesmos, escutando a fala interior (que não é a de Vygotsky, mas é a nossa mesmo). Lendo nossas preferências, estudando silenciosamente nosso ser, estaremos pesquisando uma nova maneira de sermos melhores.
Artigo publicado na revista Profissão Mestre de agosto de 2009.
É economista e professor e autor do livro Mais Textos: uma visão sobre a Educação
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